[conto] Por favor, não apague a luz


Nos últimos dias eu postei aqui dois contos de terror que competiram em um concurso realizado pela Cabana do Doidão lá em Cachoeira (quem não conhece, precisa conhecer). Esse é o terceiro e último conto que eu vou postar no blog (para ler os outros clique aqui e aqui) e eu espero que vocês gostem tanto quanto eu. :)


Por favor, não apague a luz
Por Matheus Victor

Ouço três batidas no portão da varanda que ecoam, sem pressa, para dentro dos outros cômodos da casa. Toc!, toc!, toc!.

Levanto da cama e, como estava muito escuro, tateio as paredes à procura do interruptor. Sinto-me um idiota: sei onde fica, por memória, e ainda assim, no escuro total e ainda meio anestesiado pelo sono, sinto dificuldade em achá-lo. Quando finalmente encontrei o interruptor, o acionei para que a luz pudesse luminar o cômodo e me permita atender quem estiver à porta. A energia havia caído e pela janela do andar que fico posso ver que, lá fora, o céu ainda está escuro. Eu não sei o horário ao
certo, mas com certeza ainda é noite.
A alvorada ainda parece estar longe. Quem haveria de ser uma hora dessas? Finjo não ter ouvido e volto à minha cama. Só para te situar, caro leitor, meu quarto é um dos poucos cômodos que fica no andar de cima, junto com o segundo banheiro, meu escritório (sou um recém advogado e ainda não ganho muito, por isso tive que fazer este gabinete em minha própria casa) e, nesse pequeno corredor em que se situam os três, há um pequeno sofá que não sei bem o porquê de tê-lo colocado ali; imagino que seja para que meus clientes possam esperar enquanto estou ocupado na minha sala. 

Minha casa é pequena, mas só a ideia de ter que descer as escadas para chegar até a porta me deixa cansado. Quem quer que fosse que voltasse amanhã, além do mais o meu horário de atendimento só começa amanhã, a partir das 9 horas da manhã. Adormeci.

Alguns minutos haviam passado e do lado de fora, ouço trotes de cavalo (pelo menos, espero que seja um), lento e firme. Parece estar bem próximo, pois dava para ouvir o animal arfando. Um vento frio invade as venezianas e faz as cortinas sacudirem. Sinto um arrepio estranho e resolvo fechá-las. 

Quando tudo havia ficado em silêncio novamente, uma voz grave e trêmula começou a cantar algo que não pude compreender. A canção era melancólica, como a Ave Maria que toca às seis horas da tarde. A voz era como a de alguém que estava sendo torturado, não fisicamente, mas por algum fardo que ninguém nesta terra poderia compreender. Às escuras, consigo chegar à janela e abrir uma pequena brecha entre as cortinas e, graças à luz do luar, pude enxergar o que estava havendo entre os
paralelepípedos da rua: em desespero, um homem estava arrancando o próprio coração e o oferecia à Lua, se declarando para esta, na esperança de que ela descesse para lhe beijar. Suas roupas estavam encharcadas com mesmo sangue que pingava de suas mãos. Ele chorava. Em poucos instantes, o corpo tombou para o lado e, batendo a cabeça no meio fio, se foi o elixir da vida daquele homem, junto com o sangue que escorria de seu crânio agora aberto. Ao invés de a Lua descer ao seu encontro, ele que subiu ao encontro dela.

O cavalo ficou ainda por ali durante um tempo, como se nada tivesse acontecido, comendo ervas daninhas que nasceram entre as brechas do meio fio e que agora eram irrigadas com o sangue do cavalheiro. Fecho novamente as cortinas e num ataque de desespero, tateio o criado-mudo que fica ao lado da minha cama em busca do meu celular e, quando finalmente o encontro, verifico a hora: são ainda 1:30 da madrugada. Ligo a lanterna do aparelho e sigo em direção ao banheiro, pois precisava lavar meu rosto com água fria, a fim de acordar desse pesadelo. A água da torneira corria como uma cachoeira aprisionada numa torneira. Joguei a água no meu rosto e o enxuguei, mas ao olhar para o espelho vejo que meu reflexo não me acompanha: ele ainda insistia em lavar seu rosto e, como se percebesse que eu estava o observando, ele resolve levantar a cabeça, fechar a torneira e me encarar.

Assustado, pego novamente o celular ainda com a lanterna ligada e saio rapidamente do banheiro em direção novamente ao meu quarto. No caminho da sala me bati no sofá e uma criança que estava ali (se ela estava ali antes, eu não a havia notado) sentada e de cabeça baixa, me olhava como se eu acabasse de tombá-la diretamente, mas não disse uma palavra se quer. Seus olhos me devoraram. 

Quero fugir, ou ao menos que a o Sol chegue. As escadas de madeira começam a ranger: alguém vem subindo. Ignoro a criança e com cuidado sigo em direção a meu quarto. Ainda sentia que seus olhos me acompanhavam a cada passo e isso me deixava com calafrios. Quando eu olhei para trás, rapidamente, a fim de verificar se ela me seguia ou se alguém já havia subido os degraus por completo, vejo a criança acenando para mim, como quem se despede.

Se eu pedisse socorro, com certeza os vizinhos não iriam acordar para me ajudar, pois muitos deles achavam que, por eu ser advogado, tinha dinheiro e segurança a minha disposição. E mesmo que alguns acordassem e viessem ao meu encontro, não iriam acreditar e fariam de tudo para me jogar num internato, ainda mais depois que quase entro em depressão porque não conseguia pagar todas as minhas dívidas.

Finalmente chego a meu quarto, bato e tranco a porta, sem pensar duas vezes. São agora 3:30 da madrugada. A energia ainda não havia chegado e a bateria do celular estava em apenas 3% da carga total. Deito na cama e me enrolo completamente, na esperança de me proteger, mas sei que é inútil. 

Espero que o meu celular não me deixe na mão e possa transpassar comigo essas horas de terror até que chegue a luz do dia finalmente. Sinto um calor diferente no meu colchão. Não sei se foi a adrenalina. Ligo outra vez a lanterna do meu celular e a aponto para cima, a fim de iluminar o quarto por completo e, quando finalmente olho para o meu lado direito e consigo enxergar algo, vejo um corpo raquítico e torcido, vestido de retalhos, e que, ao girar seu pescoço em minha direção, percebi que não tem rosto, mas apenas um saco daqueles de farinha velho e rasgado cobrindo a cabeça; onde deveria estar os olhos, pude ver dois grandes botões, um derramava uma lágrima de sangue; e, no lugar da boca, apenas um buraco. O encarei, pasmo. As palavras não me vinham à boca, meu sangue esfriou, eu estava sem reação.

A partir daqui, caro leitor, peço que largue esse texto o quanto é possível, pois tudo fica cinza. Se não o fizer não me responsabilizo pelas consequências e transtornos que você possa vir a ter. Eu havia esquecido o interruptor ligado e finalmente a energia voltou, iluminando todo o quarto. Em poucos segundos vi minha casa infestada. Havia monstros em todos os lugares. Ou eu desci para o Inferno, ou o Inferno veio até mim, não sei dizer. Só em meu quarto havia um amontoado deles e alguns, inclusive, havia dormido comigo sem permissão e sem que eu tivesse conhecimento. Finalmente, aquele que estava sentado ao meu lado resolveu se apresentar:

- Meu nome... Meu nome é Breu! - sua voz tinha um tom rasgado, indescritível.

Minhas vistas escureceram e nunca mais vi a luz do dia.

Comentários

  1. Adorei esse conto! Até mais do que os outros dois vencedores, acredita? Bem terror característico, me lembrou até aquele filme "Não apague as luzes" haha

    xx Carol
    http://caverna-literaria.blogspot.com.br/

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    Respostas
    1. haha, Muit obrigado, Carol.
      Fico feliz pra caramba de ler um comentário como esse *u* me motiva a continuar por esse caminho ^^
      P.s.: Essa foi minha primeira experiência num conto de terror, rsrs.
      Mais uma vez: obrigado.

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    2. Também fiquei apaixonada, Carol! :P
      Beijo

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  2. Danny, muito obrigado por dar esse espaço!
    Aproveito para parabenizar o teu blog ^^

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